quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Tragédia Midiática desliga a tv e volta ao cinema...



Cada vez mais o cinema brasileiro está investindo em não – atores ou atores de pouca experiência, geralmente de grupos de teatro comunitários das comunidades onde estão localizadas as histórias do filme.

Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, é exemplo e uma das principais referências nesse tipo de escolha. Em Romance, Guel Arraes até brinca de forma metalingüística com isso através do personagem de Vladimir Brichta.

Em Última Parada 174, o diretor Bruno Barreto optou por um elenco cru, mas visceral. A preparação sob a responsabilidade dos irmãos Rogério e Ricardo Blat investiu numa atuação realista e flexível, levando os atores, principalmente o Michel Gomes (Sandro), a percorrer momentos tensos e carinhosos, de ironia e violência, de solidão e amor excessivo, de lealdade e traição.

Essa variação interna das personagens, mais visível no Sandro do que no Alê é o que faz o espectador se aproximar e simpatizar com o drama da história de vida desses dois jovens.

É com isso que Bruno Barreto conquista o espectador. Mesmo sendo uma história já tão explorada pela mídia e também por José Padilha, no documentário ônibus 174, através de uma obra de ficção baseada em fatos reais, o diretor manipula as sensações que ele deseja despertar na platéia. Ele amplifica ou dá opacidade ao que ele achar necessário.

Humanizando o que poderia ser mostrado apenas como mais um “bandido” ou “delinqüente”, Bruno Barreto diz a que veio: Ele quer lágrimas nos olhos dos brasileiros ao final da sessão.



O diretor também quer provocar uma “falsa” reflexão sobre a condição humana do indivíduo. Falsa porque é a condição social que está mais fortemente representada através da “tia Walquíria” – uma representação direta ao modelo de atuação no Brasil de segmentos do chamado terceiro setor.

E claro e principalmente, despertar o sentimento de pena das platéias internacionais. O filme chega às salas de cinema nacional para se fazer instrumento de “denúncia” social e “revelar” ao Brasil e muito mais ao mundo, o tipo de gente que somos. Tipo:

O Sandro sabe que Marisa que não é sua mãe, porém Sandro não revela a verdade. Mesmo desejando uma nova mãe, como se fosse uma nova chance, ele rouba seu companheiro, trai a sua confiança.

O copo como elemento de antecipação de uma tragédia humana. “A culpa é do copo que quebrou!”, diz Sandro. Essa frase traduz o filme, pois o copo é a realidade que mais uma vez se quebra para o jovem Sandro, que viu sua mãe biológica ao chão com uma faca na barriga, que viu também o copo da mãe temporária cair e não quebrar e quando ele se afasta da “segurança” de uma vida em opção, o copo se quebra novamente.



Com uma fotografia suja e bem utilizada, a câmera divide-se em diversos atos, assim como a vida de Sandro e Alessandro se divide em vários momentos, pessoais, individuais, de relação, coletividade, individualismo.

As cenas são filmadas de formas diferentes, de acordo com as emoções de cada personagem, onde encontramos desde câmeras comportadas, no tripé ou mesmo na mão, como também câmeras mais atuantes, com lentes mais angulares a exemplo da cena em que ele invade o quarto de sua “namorada”, ou quando rouba o pastor e companheiro da mãe temporária.

Nestes momentos Sandro é um “mar revolto”. A decupagem e os movimentos de câmera acompanham todas as transformações emocionais de Sandro – pois não há transformação social, apenas interior, dele com ele mesmo.

Isso pode ser encontrado em momentos tensos do filme, entre eles o que me chama mais atenção é quando Sandro acorda no ônibus 174, surpreendido pela sirene do carro de polícia, ou quando ele se descobre traído pelo amigo.

Os planos são curtos, assim como a vida do jovem que achava que não podia aprender a ler, que queria casar com uma garota de programa e que não teve coragem de dizer a verdade a seu mano Alê, em busca de uma mãe que encontrou em outro o filho perdido para tráfico.



Encontramos mais uma vez um filme brasileiro que vende uma condição social no Brasil extremamente trágico e irreversível. Algo que se alastrou por todo o país. Essa é imagem construída pelo filme de Bruno Barreto.

Assim como uma condição estereotipada do paraibano está à venda de forma equivocada em filmes como O Romance. Um texto da personagem de Marcos Nanini satiriza a Paraíba de forma cruel e isso não foi percebido pela platéia da Paraíba.

Só para resgatar a cena em questão: Ao lado de um ator paraibano, a personagem de Marco Nanini pergunta para a personagem de Andréa Beltrão se estava no roteiro a contração de um débil mental – este, é o motorista paraibano e a representação de homem nordestino no filme.

Mas parece que o cinema nacional que tem entrado em cartaz na Paraíba não conseguiu ainda construir obras livres de estereótipos, mas há exceção às regras, graças a Deus e á Estômago, de Marco Jorge.

Lembrando uma tragédia midiática

Em 12 de junho de 2000, veículos de comunicação do Brasil e do mundo acompanhavam em tempo real a trágica história de Sandro do Nascimento. A cidade era o Rio de Janeiro, em uma das áreas nobres do cartão postal brasileiro. De passageiro do ônibus 174, Sandro se transformou em seqüestrador e homem morto pelos policiais.

No filme, Bruno Barreto acompanha a história do Sandro e de Alê, jovem filho de uma ex-viciada que foi criado por um traficante. As vidas dos dois jovens são cruzadas pelo roteiro de Bráulio Mantovani (também roteirista de Cidade de Deus). Os dois sem mães, percorrem o tráfico, o vicio e todo o universo de quem não tem perspectiva de vida. A tragédia real foi mais dura do que Bruno Barreto, que ao final oferece a esperança para o espectador com um epílogo já lugar comum na sétima arte.

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