quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O Cordel do Mito das Cavernas...

Medeiros Braga

Não existe uma só arma
Transformada em panacéias,
Quer seja bombas, canhões
Presentes nas epopéias,
Que, de eficácia melhor,
Cause um efeito maior
Do que a força das idéias.

Aliás, da força bruta,
Napoleão, sem balela,
Refletindo em lucidez
Suas ações de chancela
Disse que, com sua espada,
Pôde fazer coisa ousada
Menos sentar sobre ela.

Pelo “O Mito da Caverna”
De Platão, sua alegoria,
Um dos bons ensinamentos
Que trata a filosofia,
Em termo mais popular
Eu tentei aproveitar
Melhor sua sabedoria.

Na leitura se pressente
Um lirismo interessante,
Mas, o leitor adentrando
Ao que parece importante,
Verá que o cordel se assenta
Sobre a base turbulenta
Da idéia dominante.

O MITO
DA
CAVERNA

Medeiros Braga

“Estamos em uma caverna
Onde reina a enganação,
Muito pior que aquela
Que é citada por Platão.”

É “O MITO DA CAVERNA”
Considerado hoje em dia
Por estudiosos, filósofos
E os artesãos da poesia
Como sendo, edificante,
A metáfora mais brilhante
De toda filosofia.

O diálogo põe entraves
Que se dá pra perceber
A mudança imprescindível
Que sempre pode ocorrer,
E mostra, sem verborréia,
O poder que tem a idéia
E a importância do saber.

Pois, “O MITO DA CAVERNA”
Para muitas gerações
Há dois milênios e meio
Vem produzindo lições...
Seu saber é tão fecundo
Que ainda hoje no mundo
Semeia reflexões.

Por isso, que iço as velas
Do verso em navegação
Pelo oceano de “O MITO
DA CAVERNA” de Platão,
Com homens acorrentados
Ao pescoço, atrás e lados
Sem saber e sem razão.

O clarão de uma fogueira
Projetava imensa luz
E ao pegar todos às costas,
Com seu martírio sem cruz,
Reproduzia nos topos,
A imagem dos seus corpos
E dela a idéia que induz.

Para dar mais movimento
E visão de verdadeira,
Passavam, também, pessoas
Entre a parede e a fogueira
Levando, sem camisetas,
Na cabeça, estatuetas
Feitas de pedra e madeira.

Se passavam conversando
Eles tinham a sensação
De que as vozes que ouviam
Eram das sombras e, então,
Ficavam a se distraír,
Sem tempo de refletir
Sobre a própria escravidão.

As gravuras produzidas
Por vias artesanais,
Tornando com perfeição
As sombras quase reais,
Produziam dos caminhos
Figuras de passarinhos,
De pessoas e animais.

Tais imagens na parede
Eram só o que eles viam,
O que passava ao redor
De tudo desconheciam.
Nesse ambiente perverso
As idéias de universo
Nas sombras se resumiam.

Conceitos de liberdade,
De igualdade, paz, amor,
De direitos de expressão,
De inversão de valor...
Eles não tinham noção,
Constituindo-se a razão
Num fato complicador.

Desconheciam a beleza
Que a natureza criou,
A paisagem exuberante
Exibindo o seu verdor,
Do nascer da alvorada
Do cantar da passarada
E a dança do beija-flor.

Mas, um dia espetacular
De uma manhã clara e terna
Interrompia-se o curso
Daquela “verdade eterna”
Onde o mundo que existia
Era de sombra que havia
Lá por dentro da caverna.

É que um desses escravos,
De forma surpreendente,
Se sentiu livre dos elos
Que lhe prendiam a corrente,
E tratou com brevidade
De matar a curiosidade
De tudo que havia à frente.

Liberto já, de início
Encandeou-lhe a clareira,
Porém, aos pouco foi ele
Se curando da cegueira,
E olhando o muro estampado
Viu que era projetado
Pelo claro da fogueira.

Recuperada a visão
E vendo a realidade
Descobriu caverna afora
Uma outra claridade
Indo em sua direção
Pra matar, pela lição,
Sua curiosidade.

E seguindo os raios solares
Viu-se, então, no exterior
Da caverna em que vivia,
Surpreso com tanta cor...
E, também, encandeado
Foi ficando deslumbrado
Com o que havia ao redor.

Viu os bandos de animais
Pastando pela campina,
Girafa, zebra, elefante,
Toda fauna peregrina...
Ouviu o cantar do galo,
O relinchar do cavalo
E a passarada divina.

Viu o céu com belas nuvens
Lá expostas no infinito,
Viu florestas, viu jardins
Cada qual o mais bonito,
E ouviu, horas inteiras,
O roncar das cachoeiras
A banhar rocha e granito.

À noite nem descansou,
Não quis, sequer, cochilar,
Estava emocionado
Com as belezas do luar...
Viu banhada a barra em frente
Pelo sol que do nascente
Vinha a terra clarear.

Sempre, durante as noites,
Fazia uma reflexão
Sobre os sobreviventes
Da cruel escravidão;
Do tormento pelo esforço
De deixar livre o pescoço
Da corrente e do grilhão.

A essa altura, o escravo
Conhecendo tanto evento
Se sentia já mudado,
Com outro comportamento
Que se dava em sua vida
De cada idéia nascida
Em cada descobrimento.

Decorridos vários meses,
Conhecendo em profusão
O mundo real, diverso
Do mundo da projeção,
Resolveu, pois, retornar
À caverna e relatar
A grande revolução.

E voltando pra o convívio
Da mísera escravatura
Relatou aos companheiros
Da sua grande aventura
E falou com seriedade
Do clima de liberdade
Que lá por fora perdura.

Discorreu sobre a floresta
E o bando de passarinhos
Voando livres nos céus,
Dormindo à noite nos ninhos.
Falou do clima de paz
Em que viviam animais
Pastando pelos caminhos.

Falou também do ar puro
Que completa a natureza,
Da paisagem deslumbrante
Esnobando a sua beleza,
E da grande perspectiva
Daquela gente cativa
Viver com honra e grandeza.

Discorreu do enorme espaço
Geográfico existente,
Da variedade de fruta
Saborosa e suficiente,
De uma dormida sadia...
De tudo, enfim, que existia
Pra viver dignamente.

Ao concluir seu relato
Ele se surpreendeu
Com a risada maldosa
E o vil deboche de ateu
E com a afirmação errada
De que ele na caminhada,
Com certeza, enlouqueceu.

Você tá louco, disseram,
Só existe um mundo real
Que é este em que vivemos
Podendo não ser o ideal,
Mas esse que, sem mudança,
Vivemos desde de criança
Até o instante fatal.

Eram, pois, esses escravos
Bastante conservadores,
Resistentes às mudanças,
No que pese as suas dores,
E o outro mundo de idéias
Era, tão-só, panacéias
Próprias dos sonhadores.

A resistência às mudanças
Sempre traz no bojo atrito,
Por egoísmo ou ignorância
Tudo gira em torno ao mito.
Por isso, os escravos lá
Não quiseram acreditar,
Nem pensar no que foi dito.

Para eles era a caverna
O mundo único, visível,
Enquanto no outro não viam
Um sinal de inteligível.
E assim, sem prova à mão,
Toda verdade e razão
Fugiam ao mundo factível.

No entanto o relator
Terminou compreendendo
Como a mudança é difícil
Para quem não está vendo;
Que só o conhecimento
Pessoal, com fundamento,
Pode acabar convencendo.

Para Platão a mudança
Não deixa de ser um ofício
Doloroso a quem não vê
Que vive desse artifício;
Para ele a importância
De romper com a ignorância
Requer muito sacrifício.

Esses escravos viviam
Sob o peso da corrente,
Porém, o que mais pesava
Não era o grilhão somente,
Contra eles, o horrível
Era a cadeia invisível
Que bloqueava sua mente.

Por isso que a “boa-nova”
Não receberam a contento,
Ao contrário, refutaram
No seu modo truculento,
Comprovando, curioso,
Que é sempre doloroso
Chegar ao conhecimento.

Ao libertar um escravo
Seu pescoço doeria,
Ao olhar o sol, direto,
Ele se encandearia,
De tal forma que, sem ânsia,
Movido na ignorância
Ao refúgio voltaria.

Há também muitas cavernas
Nesse país espalhadas,
Contando com fortes mitos
Que mantêm práticas erradas.
Uma, sem contestação,
São os meios de comunicação
Que nos põem de mãos atadas.

Qual diferença que há
Do escravo da caverna
Pra gente civilizada
Que se sentindo moderna
Se senta à televisão
Sem esboçar uma ação
Contra a injustiça, a eterna...

Os meios de comunicação
Truculentos, abundantes,
Com as suas estratégias
E cenas alienantes,
Hoje são, pelo seu porte,
O instrumento mais forte
Das elites dominantes.

Muitas pessoas estão,
Igualmente, condenadas
A ver sombras e aceitar
Como verdades sagradas,
Só depois de sofrimento,
Com muito convencimento,
Se dão as mãos às palmadas.

Os meios de comunicação,
Essa caverna ardilosa,
Põe bitola na cabeça,
Traz a mensagem enganosa
E bloqueia a recepção
De toda idéia e visão
Pela massa populosa.

Como as sombras da caverna
São as suas informações
Maliciosas que formam
As mais várias opniões.
Valendo por mil discursos
Requer de líderes em curso
Muita estratégia e ações.

Como a luz que é usada
Pra enganar o ignorante,
A grande imprensa trabalha
Pra construir, triunfante,
Um falso herói de epopéias,
Massificando as idéias
De uma classe dominante.

Estamos em uma caverna
Em que reina a exploração,
Muito pior que aquela
Que é citada por Platão.
Moderna, sofisticada,
Abafa qualquer parada
Com as patas da informação.

Hoje, se algum radical
Conseguir refugiar-se,
Retornar de idéias novas
Pra na luta realizar-se,
Terá, pra surpresa imensa,
A ingrata recompensa
Da rejeição de sua classe.

Enquanto predominarem
Tais idéias dominantes
Haverá sempre caverna
Com escravos alienantes.
Haverão, sim, panacéias
Pra rejeição de idéias
Das massas ignorantes.

No entanto, a real mudança
É um continuado processo,
Está sempre em evolução
Pelas mentes do universo.
Pode até custar mil anos
Mas, estes virão ufanos
Consolidando o sucesso.

E não é muito demorado
Para um planeta emergente.
O que é, pois, um milênio
Para quem terá na frente
Muitos milhões e bilhões
De anos, com os tecelões
Na mudança permanente!?

Os séculos parecem longos
Para nós seres humanos,
Mas, para o ser planetário
Que o tempo faz veterano
São como apressados passos
Vencendo todos percalços,
Efetivando seus planos.

Um dia, todas cavernas
Haverão de sucumbir,
Um estágio de igualdade,
Inevitável, há de vir...
Indo, eterno, a humanidade
Soerguer, com liberdade,
A bandeira do porvir!

4 comentários:

Anônimo disse...

Maravilhoso...amei o mito da caverna em versos de cordel.Sou professora de teatro e tenho interesse em montar seu texto com meus alunos...ensinar filosofia de forma lúdica...meu email é lililinho@hotmail.com
Me diga o q acha e se nos permite usar esse maravilhoso texto..
Luciana

Anônimo disse...

amei o texto, gostaria de ouvi-lo sendo recitado por um cordelista

Anônimo disse...

mto boom nossa Parabens!!!!

Pr Flávio da Cunha Guimarães disse...

Olá, (o chamarei de meu querido), diante de um texto tão complicado e tão bem proferido. Parabéns, de coração, pela crítica com exatidão, para abrir os olhos dos que só acreditam no meio de comunicação.
Quero aplaudir de pé, diante de uma poesia que contribui para que cresça a nossa fé; que um dia veremos o nosso povo brasileiro de pé, diante do saber ensinado sem má fé; a ter uma mente crítica e não andar de ré.
Excelente texto.