segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Sem excessos nem desperdícios...


Ao assistir ao monólogo O Diário de um Louco na montagem do grupo Bigorna, sob a direção de Jorge Bweres e André Morais, a primeira conclusão a que cheguei foi a de que o texto é extremamente visível durante toda a peça. Essa visibilidade excessiva não se deve, primeiramente, ao fato de que literalmente o texto se encontra em cena, mas porque a cena está sempre reforçando o texto.

Os elementos em cena não exageram em nada a atmosfera do texto do russo Nicolai Gogol. Estes, em alguns momentos lúdicos e funcionais, elementos cenográficos apenas reforçam de forma coerente a loucura de um personagem através da atuação de André Morais. São momentos impressionantes para quem está acostumado a espetáculos de teatro em que a cenografia chama tanta atenção, e é tão mal aproveitada, quando não desnecessária que não nos é permitido pensar tanto no texto.

A peça, que esteve em cartaz – a convite da vice-presidência da Funesc - no último final de semana no Teatro Paulo Pontes, do Espaço Cultural, é uma adaptação de um clássico da literatura russa do século XIX. O texto fala de um funcionário público medíocre e humilhado pelo sistema que se apaixona pela filha do chefe.

Em busca de compreender um universo onde lhe são impossíveis seus desejos e sonhos, o personagem, que permanece anônimo durante todo o tempo narrativo, acaba enlouquecendo, indo parar em um manicômio. Então, vê-se aí, a loucura do próprio autor, que passa a ter o cheiro do suor do ator em cena, que neste monólogo, se aproxima tanto da platéia que a ela, é cabível até o sentimento de pena.

A simplicidade e funcionalidade do cenário, aliadas à trilha sonora original do grupo COMPOMOS, fazem com que Diário de um Louco seja um dos momentos mais saudáveis do teatro paraibano. Vê-se um refinamento poético e teatral, onde o texto original foi arrancado de dentro de André, em excelente interpretação. A exaustão do ator em cena revela a exaustão de um louco, que sem adjetivos, apenas questiona o seu meio, sua política e o estatus quo de sua época.
Chega a ser surreal a relação de dependência que o funcionário anônimo cria com uma cachorrinha, a Medgi. Tudo isso para se fazer existir enquanto homem para Sophie – a filha do chefe e um de seus desejos impossíveis, e para o sistema enquanto cidadão. Após assistir essa montagem, dirigida maduramente por Jorge Bweres e pelo próprio André Morais, o espectador mais distante das teorias teatrais tem a certeza de que fazer teatro não é encher o palco de objetos, símbolos, panos de fundos e pessoas sem funções.

Não sendo uma loucura agressiva ou figurativa, a loucura em cena desperta antes um sentimento de complascência, principalmente quando se vê em André Morais a entidade do funcionário que tem seu estado de ânimo nivelados por uma iluminação que se torna anelante quando Sophie aparece, e escurece, se tornando tão negra quanto a depressão do Gogol quando se vê pelos olhos dos outros!

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